quarta-feira, 4 de maio de 2011

Paio Guterres

Paio Guterres não nasceu em Bagunte nem aí viveu, mas mesmo assim merece figurar neste trabalho. Ele foi um nobre importante no seu tempo, muito abastado, amigo do Conde D. Henrique e do seu filho, D. Afonso Henriques. Terá sido irmão do possível fundador da Casa de Cavaleiros, D. Fáfia Guterres. Foi grande benfeitor do Mosteiro de S. Simão.
Em 1136, D. Afonso Henriques, ainda infante, outorgou-lhe carta de couto, “abrangendo nela as propriedades que o rei e o mosteiro de S. Simão da Junqueira tinham entre os rios Este e Ave”[1]. Veja-se como limitava com esta freguesia: vai “pelo ribeiro de Frionas e vai ao monte de Ladainhas e daí a Pedras Chãs, por cima de Gacim, e daí pela raiz do monte da Cividade e daí corre por aquele Fontanelo que vem do monte da Cividade de Azevoso…”[2].
Sendo assim, já se vê que ele tem um lugar na história da freguesia. Depois, Paio Guterres é um antepassado próximo dos Lourenços da Cunha de se falará abaixo.

No volume I do seu trabalho sobre o Mosteiro de S. Simão da Junqueira, pág. 77, Sérgio Lira atribui a Paio Guterres os seguintes filhos: Justa Pais, Pedro Pais, Fernão Pais. Fernão Pais teve Lourenço Fernandes. Lourenço Fernandes foi pai de Martinho Lourenço e Gomes Lourenço; e Martinho Lourenço pai de Lourenço Martins.

Verificar pelo Diplomática
Os Cunhas eram da mais alta nobreza do país


A Karraria antiqua, pousada real e mordomos da terra de Vilar


Segundo as Inquirições de 1220, o Rei, quando viesse a Bagunte (talvez melhor, quando passasse por Bagunte), tinha lá direito a uma mesa recheada, com fogaças, muitas galinhas, um capão e ovos. Mas não é tudo: tinha ainda direito a casa onde descansar, a doze dinheiros: “E quando El-Rei vier à mesma terra dão-lhe desta igreja uma fogaça de trigo, de Vilar duas fogaças de trigo, e de Carcavelos e de Bagunte doze dinheiros de pão. E todos desta colação dão cada um a sua galinha. E do Souto de Carcavelos, um capão, dez ovos”.
“Na Quinta de Vilar deve haver serviceira e é pousada do Rei”.
Em 1258, confirma-se que o Rei tinha aí a sua pousada: “E há aí a pousada de El-Rei e são presseiros e pregoeiros”.
Com a deslocação da corte para sul, estas pousadas reais entretanto perderam qualquer interesse; mas sabe-se que noutros tempos eram usadas, como foi o caso da de Santa Cristina, em Touguinha, onde um rei de Leão deu despacho.
Um documento de 1199 referia-se a Vilar como “Vila Vilar”.
Pelos estudos do Dr. Cunha e Freitas[3], sabe-se que por Vilar passava a Karraria antiqua e a via vetera, antiquíssimas estradas que, remontando aos Romanos, vinham do sul, atravessavam o Ave em Bagunte e seguiam depois pela Junqueira, Arcos e Rates para a Galiza ou, em bifurcação, para Barcelos.
Era sem dúvida estrada de funcionários régios e dignitários religiosos, de almocreves e outros populares, mas também de peregrinos de todas as classes a caminho de Santiago, de jograis e porventura trovadores, mas certamente também guerreiros.
O Censual do Bispo D. Pedro estipula que a igreja de Bagunte pague um “jantar”. Este jantar, “também chamado parada ou procuração” e que consistia em aposentar o prelado ou o seu representante e respectiva comitiva na visita anual às paróquias”, terá também algo a ver com a travessia da freguesia pela karraria ou estrada.
Bagunte, e Vilar em particular, beneficiaram da movimentação que esta via proporcionava.
Vilar fornecia também o mordomo do Rei – o mordomo da terra – que lhe recorria as rendas “entre Ave e este”. Em 1258, regista-se: “Item, estes homens de Vilar devem ser serviçais do foro de todo o pão que El-rei possui entre Ave e este e devem ser mordomos de foro de rico-homem, não de prestameiro”.
Estes mordomos tinham ainda de pagar “dois morabitinos, isto é, um de entrada e outro de saída, se durarem até ao fim das colheitas”. Claro que iam buscar tal dinheiro ao bolso dos foreiros de Rei.

As vilas


Na área de Bagunte - não conside­ramos agora Santagões - houve na Idade Média várias vilas, o que não era nada de extraordinário. Havia, como hoje há ainda na toponímia, Vila Verde; mas havia ainda a vila de Figueiró, a de Carcavelos, a de Corvos, a de Vilar, a de Segemonde, a de Ceisão[4]. Sobretudo havia a vila de Bagunte, que deu nome à freguesia.

Bagunte
Foi certamente um possuidor desta vila que, talvez já nos séculos IX ou X, ergueu a primitiva matriz da terra. E como ela ficava na vila de Bagunte, toda a área em redor ficou a ser de Bagunte.
Por isso, procurar a origem do nome da freguesia não é logo uma questão etimológica, mas histórica. A etimológica, essa põe-se a respeito do fundador da tal vila.
A palavra apresenta nos documentos diversas variantes, mas nunca muito distantes da forma actual: Bocunti ao lado de Bacunti... as diversas formas.
Um documento de 1189 fala do lugar chamado Bagunte (“qui dicitur Bogonti”), que fica sob o monte de Bagunte (“sutus mons Bogonti).

Vilar
Há vários documentops que referem Vilar, como este de 1170, que diz que Martinho Garcie fez “carta” duma herdade que tinha em Vilar, entre a Plantada e o Censo (“Villare inter Plantata et Censum”).
Em 1199, João Mendes e sua esposa Maria Anes doaram ao Mosteiro de S. Simão a herdade que tinham na Vila de Vilar, território bracarense, no sopé do monte Bagunte, próxima dos rios Ave e Este (“in villa que vocitant Vilar territorio bracharense subtus mons  Bogonti discurrente rivulo inter Ave et Aliste”).
Há um documento de 1189 que fala das “casas de sobre a fonte de Vilar, com os seus lugares, com a leira da Silva e com meia leira de Novais”.
No século XVI, segundo o tombo da freguesia, ainda havia em Bagunte, um leira com o nome de Pousada.

Corvos
Corvos ocorre em vários documentos medievais. Em 1143, Mendo Peres e seus irmãos Pedro e Aires Peres vendem a Paio Guterres um herdade na Vila de Corvos (“villa quos vocitant Corvos”).
Em 1193, Fernando Peres vendeu a Soeiro Fafes[5] um herdade na vila de Corvos, no sopé do monte Azevoso, próxima dos rios Ave e Este (“villa que vocitant Corvus subtus mons Azevosu territorio bracharensis discurrente rivulo inter Ave et Aliste”).
Doc 141

Vila Verde
As menções mais antigas de Vila Verde só as encontrámos nas Inquirições; que sejja do nosso conhecimento, não ocorre nos documentos do Mosteiro de S. Simão da Junqueira.
No Nobiliário das Famílias de Portugal, de Felgueiras Gaio, a propósito dos Ferreiras medievais (futuros Ferreiras d’Eça, de Cavaleiros), fala-se repetidamente de Vila Verde; embora o autor não entende por este nome a Vila Verde de Bagunte, é provável que de facto se trate dela.
No número dois da Portugália, 1905-1908, vem um artigo sobre o “Cemitério de Vila Verde”. De facto, alude-se aí a um achado arqueológico ocorrido ocasionalmente em 10 de Agosto de 1905. O autor foi José Peniche. Ricardo Severo, autor do artigo, cataloga o espólio em objectos de barro comum e objectos de metal. A seguir, divide os objectos de barro comum em: 1) vasos abertos, pretos e tigelas; 2) vasos campanulares sem asas; 2) vasos com uma asa; 4 - vasos com duas asas; e 5) louça pintada. Nos objectos de metal, distingue sobretudo 16 moedas romanas dos séculos III e IV. Pelas imagens que ilustram o artigo, muitos dos artefactos de barro encontram-se em óptimo estado de conservação.

Fotografia

Figueiró
Figueiró aparece, por exemplo, num documento de 1080, quando um tal Gonçalvo Roubares (Gunzalvo Rauparici, conhecido na história do Outeiro Maior) vende a sua vila de Figueiró (villa quos vocitant fikeirola), que ficava no sopé do Castro de Argifonso e que confinava com a Vila de Bagunte (uilla bocunti), com a Vila de Santagões (villa celteganus) e com a Vila de Lamesinhos (villa lamesinus), futura Quinta de Cunha. Na venda incluem-se também “as suas pescarias e os seus moinhos no rio Ave”. Esta grande vila não se dividira então ainda em Figueiró de Cima e Figueiró de Baixo. Reparar com não é indicada a limitação com Vila Verde.

Sogemonde
São vários os documentos que mencionam Sogemonde; um, de 1056, fala das vilas chamadas Figueiró e Sogemonde, no território portucalense, sob o castro de Argifonso, entre o Ave e o este (“villas quos vocitant fiqueirola et segemondi teritori portugalesis subtus kastro argefonsi inter abe et aliste”). Ficaria ela junto a Figueiró?
O tombo de Bagunte fala dum “marco que está acima da fonte de Vila Pouca que parte por Bagunte e Para­da e São Martinho”. Seria esta Vila Pouca a antiga Sogemonde?

Ceisão
Não é certo sequer que a vila de Ceisão ficasse em Bagunte; o que ficava era entre o monte da Cividade e o rio Ave. Em 973, fala-se da Vila Ceisão, sob o monte Bagunte (“in villa zelsoni subtus monte bogonti”), e alude-se ao “termino de peraria”, que poderia ser o limite com Pereira.
É por um documento de 1101 que ficamos a saber que Ceisão ficava no sopé da Cividade de Bagunte, próxima do rio Ave (“in villa quos vocitant ceison subtus mons civitas Boconti discurrente ribulo Have”).


[1] COSTA, Avelino de Jesus da – Estudos de Cronologia, Diplomática, paleografia e histórico-linguísticos, Porto, 1992, pág.
[2] “… de illa foze de Fontano, et vadit sursum et fer in illum cazalem de Gontino e inde per arogium de Frionas et vadit ad monte de Litanias et inde ad Petras planas desuper Gazim, et inde per radicem montis de civitate  et inde discurrit per illum Fantanelum qui guadit de monte Civitatis de Azevoso et discurrit ipso Fontano, ut exterminat per illum Conarum, qui est in Cabo de Lagona de Arcos …”
[3]Estradas velhas entre Leça e Ave” in separata do Boletim do Douro Litoral, e ainda “Pontes” in Boletim Cultural de Vila do Conde, Nova Série, nº 1º, págs. 40 e 50.
[4] Não é possível provar que a vila de Ceisão pertencesse a Bagunte, mas estamos em crer que pertencia. De qualquer modo ficava entre o monte da Cividade e o Ave.
[5] Soeiro Fafes será sobrinho de Paio Guterres.

Imagens:
Vista do rio Ave em Bagunte.
Igreja Paroquial.

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